quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A Bancada Evangélica e as Novas Cruzadas Religiosas: estratégias para a manutenção das tendências conservadoras do poder político no Brasil.

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Resumo: O presente artigo analisa atual conjuntura sócio-política brasileira, denunciando as estratégias para a manutenção das tendências conservadoras no cenário político através da estrutura das igrejas evangélicas que, confrontando-se com as alas progressivas da igreja católica, disputam, além de fiéis, influência junto aos poderes instituídos, sobretudo o legislativo.

        O breve século XX foi marcado pelos embates ideológicos do socialismo versus capitalismo que fez multiplicar as ditaduras conservadoras de direita por toda América Latina (HOBSAWN, 1995). No caso do Brasil, esse período (1964-1985) só veio reforçar a histórica tradição plutocrática das elites nacionais na manutenção do poder. Com o início do processo de Abertura (1979-1985) que antecipou o fim da Ditadura Militar, surgia uma possibilidade de alteração dessa lógica a partir da sociedade civil organizada, mas o que se viu foi justamente o contrário.

                 O fim do esquema bipartidarista dos militares - Lei nº 6.767 de 20.12.1979 - fez surgir, no lugar da ARENA e do MPB, meia dúzia de "novos" partidos que, nas décadas seguintes - a partir da Emenda Constitucional nº25 ( de 15.05.1985) - seriam desdobrados em dezenas de outros( SCHIMITT, 2000), na sua maioria, alinhados com a ideologia de direita. A intenção dos militares era fracionar a oposição tendo em vista a manutenção do poder e prolongar a pantomima de democracia consentida. O fato dos conservadores também se diluir em diversas legendas em nada comprometeu o resultado dessa estratégia visto que a capacidade de coalizão deste superava ( e ainda supera) as articulações de seus opositores reféns dos entraves ideológicos.

                 Assim, gigantes como PDS e PMDB dominaram o cenário político durante os anos 80, sendo ameaçados apenas por suas alas, os próprios dissidentes que deram origem a partidos congêneres, PFL e PSDB, que reinariam absolutos na década de 1990 amparados por uma imbatível coalizão de direita. Em suma: saiu-se de um polo ( bipartidarismo ) a outro ( multipartidarismo, com mais de 70 partidos ) sem alterar substancialmente a tendência conservadora na política nacional.

                A ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, nas últimas eleições, antes de uma negação, é um reforço dessa tendência. A Carta do Povo Brasileiro, selou o pacto de "centro-esquerda" e anunciou, de forma inequívoca, o abandono do seu histórico perfil revolucionário do PT. Hoje, quem diria? Os chamados radicais passaram a ser personas non grata dentro do partido.

                A persistência dessa tendência conservadora da política brasileira pode ser analisada e explicada sob diversos prismas. Chama à atenção, em particular, o viés político-religioso que muitas vezes é ignorado pelos estudiosos da ciência política.

                 E o que de fato a religião tem a ver com política?

                 Tudo. É sabido que o Estado moderno, desde sua origem, está preso às querelas religiosas que influenciaram diretamente no ordenamento e na manutenção do poder. No Brasil,, desde o período colonial, também não foi diferente. Alheio às lutas religiosas que grassavam a Europa, aqui o catolicismo foi hegemônico, o que explica o atual título de maior nação católica do mundo. Mas diante da atual conjuntura não se sabe até quando.

                Como uma espécie de refluxo da história, nas últimas décadas, evidenciou-se uma ostensiva disputa entre católicos e protestantes (evangélicos) que além da conversão de novos adeptos, buscam ganhar espaço no centro de tomada de decisão do poder político: o Congresso Nacional.

                A proximidade da ambiência religiosa da política se fez sentir, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988, quando o Catolicismo deixou de ser a religião oficial do Brasil. Desde então, como que reabilitando os movimentos de Reforma e Contra-Reforma, as disputas entre católicos e evangélicos ganharam maior visibilidade: as Bancas Evangélicas que buscam em todas esferas da união ( municipal, estadual e federal) seu quinhão de poder na esteira conservadora dos partidos de direita, sobretudo no PL e PFL. Em contraposição, os católicos controversamente progressistas, através da forte estrutura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e dos partidos ditos de esquerda, sobretudo o PT, buscam aproximar-se senão conduzir os movimentos sociais.

               Longe de uma ameaça de formação de um Estado teocrático fundamentalista, ou da eminência de uma outra Noite de São Bartolomeu, essa situação denuncia uma nova faceta da velha luta por fatias do poder. Os católicos (clérigos e fieis), dividido entre progressistas e conservadores, vivem o dilema de irmanar-se aos movimentos sociais ou acomodar-se junto às velhas forças conservadoras do poder. Tudo leva a crer que a ala carismática e as diversas pastorais já fizeram sua opção. Certamente a escalada liberal dos evangélicos pesou nesta decisão.

               Na verdade, essa opção é antiga. Não é a toa que várias personalidades socialistas, a exemplo de Vicentino, João Pedro Stedile, Luiza Erundina, Marina Silva, fruto das Comunidades Eclesiais de bases (CEBs) – “estufas de formação de lideranças populares” ( FREI BETO. A Igreja dos Pobres. In. Caros Amigos. P..39.nº39.Junho2000 ) – se afinam com os renovadores do catolicismo.

               Fugindo do maniqueísmo cumpre lembrar que, remando contra essa maré, existe a ministra petista Benedita da Silva que é evangélica e ainda o demagogo Antony Garotinho indefinido do ponto de vista político e religiosos.

               No caso dos católicos, voltar-se para as camadas carentes constitui-se num imperativo histórico, pois o desenvolvimento da sociedade capitalista se deve mais a lógica de uma ética protestante do que propriamente ao dogmatismo que condenava usura ( leia-se lucro).

               A “onda evangélica” que ora varre o país, não é tão recente como parece. Já nos anos 60 legiões missionárias evangelizadora esquadrinhavam pontos extremos do país associando a marginalização social aos desígnios celestiais bem como pregando o caminho da salvação, que por certo só se daria pós-morte e através da conversão. Foi assim, por exemplo, que as comunidades indígenas do Centro-Oeste e do Norte do país receberam a segunda onda evangelizadora – a primeira foi católica – num criminoso processo de aculturação através de um linchamento étnico.

                 Ao instituir a ala de “Renovação Carismática” ( Contra-Reforma ), mais que frear a evasão de fiéis, os católicos buscam explorar o filão – social e comercial – que em tempo de crises econômicas costuma dilatar-se. Sabe-se que a fé, em quanto bem comercializável, sempre gerou bons dividendos aos que pregam a palavra do Senhor. A grande novidade é a feroz capitalização política deste potencial que cresce proporcionalmente à agudeza das crises e à miserabilidade da população.

                Dessa forma fecha-se um cruel ciclo vicioso: as religiões crescem devido às crises econômicas que são reflexos de decisões políticas ( liberais) que normalmente são determinadas ( até 2002) por partidos de tendências conservadoras ( de direita) , que se fortalecem com auxílio de bancadas religiosas, não menos conservadoras, cuja razão de existência se assenta na alienação política dos “rebanhos” de miseráveis.

               Organizações, a exemplo da Assembleia de Deus, Congregação Cristã, Igreja Universal do Reino de Deus – com sua rede de televisão, rádio, gravadoras, editoras, rede de cinemas convertidos em templos – já não podem ser ignoradas no atual jogo político, seja pelo peso de sua influência junto às massas ( poder político ) seja pela fortuna que detém e movimenta ( poder econômico ).

               De forma análoga aos pequenos partidos que abrigam antigas oligarquias, ou facções corporativistas do empresariado, e que em época de eleições se congraçam em poderosas coalizões conservadoras, a maioria das igrejas evangélicas são comitês políticos 24 horas em ação, lobos em pele de cordeiros que em época de eleição articulam-se em prol de seus projetos para alçar o poder. É dessa forma que se explica o recorde eleitoral de Lula na última eleição, quando as bancadas evangélicas promoveram-lhe de “demônio barbudo” a “anjo redentor”.

               A espetacularização da fé consolidada, sobretudo nos bolsões de miséria, onde os sacerdotes além de talking-show dos animados cultos/shows acumulam várias outras funções: conselheiro, médico ( terapeutas de dependentes químicos e alcoólatras ), psicólogo e, não raro, líder político também. Afinal, 50 milhões de miseráveis se constituem num colégio eleitoral considerável.

Se se abandonam ao carisma do profeta algumas pessoas, do chefe do tempo de guerra, do grande demagogo que opera no seio da eclesia ou do parlamento [ Congresso ], significa que estes possam estar interiormente “chamados” para o papel de condutores de homens e que a ele se dá obediência não por costume ou por força de uma lei, mas porque neles se deposita fé. Caso esses homens não sejam meros aproveitadores do momento, viverão para seu trabalho e procurarão realizar sua obra, orienta-se a devoção de seus discípulos, dos seguidores, dos militantes exclusivamente para a pessoa e para as qualidades do líder. (WEBER, 2003)
                Nas escolas, nas ruas, campos, construções, os pastores vão se assenhorando dos novos currais eleitorais urbanos. Num trabalho de formiguinhas vão dando capilaridade ao seu projeto de poder nos espaços que políticos tradicionais dificilmente conseguiriam penetrar. Explica-se assim a feroz investida dos evangélicos contra os adeptos dos cultos afro-brasileiros, visto que durante séculos esses credos foram o cimento de muitas comunidades marginalizadas. E é justamente nesse espaço que os evangélicos buscam extrair o último subproduto dos excluídos: o voto.

                Enquanto grupo politicamente articulado, os cultos afro-brasileiros – aqui genericamente tratado de candomblé – não oferecem qualquer tipo de ameaças às pretensões evangélicas, ainda que frequentemente muitos babás e yalorixás se identifiquem como católicos – ora alavancada pelos evangélicos, ultrapassou os limites do politicamente correto, do legalmente tolerável, e reacende questões antigas que ainda esperam soluções.

                Reza a Constituição que: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” ( Constituição Federal do Brasil de 1988. Título II; dos direitos e garantias fundamentais. Capítulo I: dos direitos e deveres individuais e coletivos. Artigo nº5, alínea VI .), mas o que nos cultos evangélicos é um completo desrespeito a esse princípio a anuência complacente das autoridades constituídas, o que, aliás, só comprova o prestígio político dessas igrejas.

                Na Bahia ( negra Bahia ), como se não bastassem os ataques diuturnos via rádio e TV, os evangélicos se apropriam dos ritos e liturgias do candomblé, desqualificando-o enquanto religião e, paradoxalmente, legitimando o que pejorativamente classificam de “curandeirismo”. Isso com claro intuito de confundir paulatinamente os crentes de ambas as doutrinas. As estratégias consistem em determinar os limites entre as duas crenças para facilitar a conversão e difusão e seu dogmatismo fundamentalista.

A religião fundamentalista como dínamo poderoso de mobilização das massas às últimas décadas do século XX, que testemunha até um bizarro retorno à moda, entre alguns intelectuais, do que seus pais cultos teriam descrito como superstição e barbarismo. (HOBSBAWN,1995)
               Assim, antes de combater um inimigo do cristianismo, o subjugo dos cultos afro-brasileiros bem como dos ameríndios, representa um ardil de um projeto maior, que tende aproximar a estrutura sócio-política brasileira do calvinismo estadunidense que, recentemente, elegeu um “predestinado” – George W. Bush – para conduzir o destino daquela nação, e quem sabe do mundo.

               Esses componentes na complexa conjuntura social brasileira abrem precedentes perigosos tanto para vivência democrática, como para a soberania nacional, visto que as bancadas evangélicas estabelecidas no Congresso nunca se notabilizaram por um discurso nacionalista. E, sendo o “político” e o “missionário” a mesma pessoa, a nação fica ameaçada, pois reduzir os “cidadãos” a “crentes” e fazer do sufrágio um ato de fé, destituindo de qualquer vínculo com a realidade sócio-política e econômica. E o que se espera daqueles que negociam em nome de Deus? O paraíso? Só se for o paraíso fiscal.

               Em tempos de urna eletrônica, o voto de bengala tende substituir o de cabresto; eis o novo lubrificante da máquina eleitoral descoberto pelos evangélicos e que se nada for feito, a fase conservadora da política brasileira permanecerá imutável ad infinitum.


Gilvan Barbosa da Silva 
( Professor Licenciado em História(UNEB) e pós em História Política(UNEB); peswquisador da Língua e Cultura Yorubana; membro do Núcleo do Estudo da Oralidade (NEO-UNEB). )

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