terça-feira, 20 de agosto de 2019

Os Desiludidos do Amor dos Tempos de Drummond e os Bárbaros Feminicidas dos Tempos Atuais.












            Mulheres sempre despertaram paixões em homens. E paixão é aquele sentimento forte, mais forte até que a própria morte muitas vezes e mais firme no desvario do que qualquer bom senso.  Daí que sempre foi visto como normal que um homem cometesse suicídio por amor à sua amada, mormente por desilusão desse seu sentimento, traição ou coisa assim.
             Agora ainda acontecem esses suicídios só que diferentemente de antes, o apaixonado não está apenas tirando sua própria vida, mas tirando a vida da sua apaixonada e às vezes até dos filhos frutos desse amor, o que é mais lamentável ainda na progressão que a coisa veio tomando.
           O homem aprendeu desde cedo que a mulher é uma posse sua e deve satisfazer, obedecer sua vontade; deve ser submissa e feliz por ter seu homem, seu maridão; isso é até respaldado mesmo até religiosamente: ‘Deus fez a mulher para o homem’, assim se entende.
           A sociedade, notadamente a ocidental, como um todo evoluiu muito, e se transformou radicalmente em relação ao patriarcalismo que dominava as relações familiares, e assim, não só para os homens como para as mulheres também a sociedade se transformou, mas culturalmente muitos homens desde pequeno ainda vem crescendo no aprendizado de que a mulher é sua posse e lhe deve obediência, enquanto a mulher hoje mudou com a sociedade moderna que lhe acena a possibilidade de crescer, de viver e ser livre , de se realizar como pessoa e como profissional; o senso de liberdade da mulher de hoje é patente e garantido em seus direitos civis. E assim hoje há mulheres em altos cargos de poder e ganhando muito mais do que muitos homens.
          Muitos homens que vêm crescendo na perspectiva antiga da mulher dominada e submissa não estão se dando com essa nova mulher que quer usufruir da liberdade civil democrática.  
Daí que o cara que aprendeu uma forma antiga de mulher se acha sacaneado pela mulher com a qual se associou em união quando ela quer sair com aquele modelito que ele acha ‘generoso’ demais; ele se acha sacaneado quando ela o desobedece e não aceita a sua ‘ascendência’, o seu mando, imagina quando ela invoca e dá um grito de liberdade e diz que não quer mais e resolve se mandar, aí o homem antigo fica louco, não aceita. Pior que a mulher não depende mais dele para ficar ali grudada a ele por uma necessidade; “aí só matando”, é o que pensa o desgraçado; “se não vai ser minha, também não será de ninguém” é o senso comum na cabeça do cara; e ele acha que ele é que está certo e a mulher errada, pois do que ele aprendeu sobre a mulher em relação ao homem, ela é que está fugindo do padrão, não o obedecendo. A relação ficou assim complicada em muitos casos. Mulheres modernas devem evitar homens de mentalidade antiga, pois vai acabar dando nesses conflitos fatais.
         O homem já foi mais nobre em relação ao amor por sua amada, mesmo nos casos de decepção, desilusão amorosa, pois nos casos mais extremos de paixão não correspondida ele se matava, mas não matava a mulher, objeto do seu amor, deixava pra ela o legado funesto do remorso ( veja abaixo, no texto de Drummond ), o qual ele assegurava que ela iria carregar sofrível por toda a vida. Mas hoje, porém o desiludido do amor está também matando a sua amada, e também , por vezes, o filho ou filhos da relação. É o que se configura chamar de “Feminicídio”. O homem que não vê mais vontade de viver pois sem sua amada não dá, mas também não está certo de que ela vai sofrer de remorso, e certamente ela vai mesmo é ficar curtindo com outro, enquanto ele vai ficar comendo capim pela raiz,  então o cara acaba a fulminando também e também filho ou filhos.
          A relação assim se tornou muito complicada. O negócio é cada “lé” procurar seu “cré”. Se o cara é das antigas, não procure se envolver com as moderninhas. Se a mina é moderninha não procure se envolver com os ‘mentalidades antigas’, pois o bicho está pegando feio mesmo. Os desiludidos do amor não estão querendo só deixar remorso para suas amadas e nem estão seguros desse remorso mais; não estão seguros de que sua amada, por quem se findou por amor, não sambará sobre sua tumba.
        Veja no poema de Drummond o suicida romântico antigo, o qual está cedendo lugar ao feminicida cruel.
         Cuidado, belas modernas ! Vocês não merecem esses antigos, mas não atraiam para si tais tipos.
Necrológio dos Desiludidos do Amor
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Brejo das Almas'

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